quinta-feira, 20 de março de 2014

sábado, 15 de março de 2014

Preâmbulo de Zaratustra 


 I

" [...] Olha! Esta taça quer novamente esvaziar-se, e Zaratustra quer tornar a ser homem."
Assim principiou o ocaso de Zaratustra.

II

Zaratustra desceu sozinho das montanhas sem encontrar ninguém. Ao chegar aos bosques deparou-se-lhe de repente um velho de cabelos brancos que saíra da sua sagrada cabana para procurar raízes na selva. E o velho falou a Zaratustra desta maneira:
"Este viandante não me é estranho: passou por aqui há anos. Chamava-se Zaratustra, mas mudou.
Neste tempo levava as suas cinzas para a montanha. Quererá levar hoje o seu fogo para os vales? Não temerá o castigo que se reserva aos incendiários? 
Sim; reconheço Zaratustra.  O seu olhar, no entanto, e a sua boca não revelam nenhum enfado. Parece que se dirige para aqui como um bailarino!
Zaratustra mudou, Zaratustra tornou-se menino, Zaratustra está acordado. Que vais fazer agora entre os que dormem?
Como no mar vivias, no isolamento, e o mar te levava. Desgraçado! Queres saltar em terra? Desgraçado! Queres tornar a arrastar tu mesmo o teu corpo?

(NietzscheFriedrich - em Assim Falou Zaratustra, pág: 23 e 24)



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A maior 
riqueza do homem

é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva, etc. etc.

Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.

(Manoel de Barros em "Retrato do Artista Quando Coisa")

Textos que li em nosso último encontro.
Até o próximo,
Abraços..

Diana Costa

segunda-feira, 3 de março de 2014

A EXPERIÊNCIA  

Notas sobre a experiência e o saber de experiência: trechos de uma conferência de Jorge Larossa Bondía


"A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara. (...). A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço".


Referência: BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Rev. Bras. Educ. [online]. 2002, n.19, pp. 20-28. ISSN 1413-2478. 


sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

emanações liricorpoéticas

câmbio, câmbio, testando...

então, gente, faz tempo que eu não uso blogs, de modo que hoje tem coisas que eu não me lembro como fazer, outras que nunca soube, muita coisa pra dizer e enfim, bora que o post é longo...

como falei em sala na última quinta-feira, duas lembranças me ocorreram ao vivenciar o poema-algaravia declamado (é interessante porque a sensação é essa mesmo, de um poema só composto da soma ou sobreposição de vozes, versos e corpos).

a primeira lembrança foi de uma música do Wanderley Monteiro, "Por um triz". sua letra se bifurca num dado momento e ao mesmo tempo se enovela, se encontrando e desencontrando e reencontrando tal como uma metáfora do próprio tema central do poema. linda, linda!! e a voz da Iracema Monteiro, mulher dele, é simplesmente sensacional!!

aí vai a letra e o vídeo.



Por um triz
Wanderley Monteiro 

O que esperei já foi demais da conta
Bem cedo aqui cheguei
E você me apronta

 Imaginei, oh! quanta ilusão
 Abrir meu coração
 Viver em emoção

 Mas, o ponteiro já correu }
Mais um vazio em mim se deu } 2x
E sem mais nada a fazer }
Restou te esquecer }

 Aqui estou (a reluzir)
Onde você marcou (a emoção)
Foi do lado de cá (me distraiu)
Faltou o seu olhar (mas, não secou)
Para me embalar (o sentimento)
Fazer pulsar o coração (e me envolveu)
E assim, iniciar (um grande momento)
Uma linda união

 Já que me viu (feliz estou)
Por que você não vem (a esperar)
É tudo que eu quis (o seu olhar)
Vai me fazer tão bem (o seu amor)
E se for por um triz (não vai passar)
Não há tempo pra pensar (me abraça e diz)

 O amor vai começar } 2x
Num desencontro com final feliz }

MASHUP

também me lembrei de um mashup do nirvana com o funk da atoladinha. engraçado que na minha cabeça as músicas eram também meramente sobrepostas, o que não é o caso, havendo um nítido e óbvio trabalho de mixagem.

engraçado também, ou nem tanto, é que eu me senti impelido a escrever algo no sentido de defender a beleza da obra, no sentido judiciário mesmo de defesa. sem dúvida por ser um funk. é foda isso, né, sempre que se fala de funk parece que é necessário fazer uma explanação de defesa, como se essa manifestação cultural poderosíssima e de incontestável traquejo tupiniquim fosse culpada de alguma coisa.

bom, mas como adoro pecar, a moral não é meu forte, não sou advogado, nem acho que cabe defesa aqui, posto o texto que meu amigo Fred Coelho postou junto com o link no facebook:

"O Mashup é o suprassumo do pop contemporâneo. O remix foi um primeiro passo na desconstrução do pop, mas ainda estávamos "mudando por dentro" a mesma música. O sampler foi o segundo passo, inserindo uma musica na outra, ampliando as combinações, transformando a discoteca em repertório universal. Os Mashups, por sua vez, são o auge, onde não há mais "uma música na outra". Há apenas uma música sendo muitas outras simultaneamente. Combinar os títulos, borrar o centro autoral, produzir ruídos e destruir qualquer fronteira do jardim da razão é a função do mashup. Que só cresce em qualidade e invenção nas nossas praias de algas verdes e semanas infinitas de canícula".

e aí vai o link do soundcloud, já que não achei no youtube: 

https://soundcloud.com/clauspupp/atoladinha-like-teen-spirit

POESIA

pra fechar, como meu ascendente é Leão e dizem por aí de vez em quando que sabem que é certo que tem quase certeza que sou filho de Xangô, sou vaidoso que só vendo, admito. e como além disso não sou advogado mas sou poeta, posto ainda dois poemas que me ocorreram enquanto escrevia aqui. eu costumo falar poesia por aí e esses dois poemas (devaneios III e VIII), por não terem, a meu ver, potência oral pra serem declamados, ficam meio esquecidos em meio ao rebuliço dos irmãos mais bonitos, extrovertidos e agitados. aproveito então pra deixá-los passear um pouquinho por essas bandas virtuais...

 beijos e BOM CARNAVAL!!!!

III 

confesso
declaro
que o excesso de trabalho está minando
minha potencialidade natural
de vagabundear

vagabundeio
numa expressão caseira de resistência

resisto
numa inércia ressaqueada

não quero mudar o mundo
nem alterar paradigmas
muito menos dar exemplo

quero só isso mesmo:
ficar quietinho
e encontrar tempo
pra escrever besteira.

VIII 

o tempo é curto 
não há tempo

não há tempo e nada
faz sentido

nada faz sentido e o tempo é curto 

não há tempo para dar sentido
nisso tudo que acontece
no pouco tempo em que estou vivo 

o tempo é curto
não há tempo 

não há tempo e nada
faz sentido 

nada faz sentido e o tempo é curto

não há tempo para dar sentido
nisso tudo que acontece
no pouco tempo em que estou vivo
e permaneço inerte

o tempo é curto
não há tempo
não há tempo

nada faz sentido
nada 
faz sentido e o tempo 

é curto

-- não há tempo para dar sentido nisso tudo que acontece no pouco tempo em que estou vivo e permaneço

inerte.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

UM ENSAIO SOBRE O CORPO

Trechos do livro Por exemplo a cadeira - ensaio sobre as artes do corpo, de Antonio Pinto Ribeiro (Lisboa-Portugal)

"Um corpo não é uma entidade abstrata, um receptáculo onde se podem colocar atributos tais como alto, baixo, forte, magro; não é uma esfera a que se circunscreve o ser num determinado tempo, mas é uma energia, onde se inscrevem circulações, substâncias, forças, pigmentações, comportamentos resultantes de treinos, de técnicas e de linguagens a que está permanentemente sujeito. Esta é uma constatação essencial e uma alteração radical no modo de colocar o problema do corpo no final deste século [XX].

A par desta constatação, uma outra: a de que não existe um corpo padrão, mas existem corpos (...), corpos nos quais é possível detectar diferenças de funcionamento e de comportamento, às vezes radicais. É por isso que se pode afirmar a existências de corpos multiculturais fracionados por diferenças que provocam tensões. É por isso que os corpos 'Benetton', aplanados nas suas diferenças pelo design publicitário, numa permanente e apagada inexpressão, são uma falsidade."

Mas o percurso de assunção desta diversidade e as expectativas que hoje estes corpos e a sua produção geram têm história, recente, que corresponde à história de uma queda: do corpo abstrato e desmaterializado ao corpo físico, energético e corporal (...)

Existe uma arqueologia desta descida, enquadrada, aliás, na nova paisagem urbana do final do século passado [XIX]: os novos espaços - a escola, a prisão, as avenidas, os passeios públicos -; os novos trabalhos - os mineiros, os operários, os professores -; as novas práticas corporais, os novos vestuários e os novos materiais. A Literatura deu disso testemunho: Viagem ao centro da Terra de Júlio Verne e Alice no País das Maravilhas de Lewis Carroll foram expressão dos novos imaginários desta descida.

Na Ciência, por seu lado, as primeiras radiografias inventadas por Rontgen não só expressam a vontade de mergulhar até o interior do corpo, 'à procura da alma' (...).

(...) o fato - hoje aparentemente banal - de Isadora Duncan, coreógrafa e bailarina, dançar descalça não só quis expressar uma ideia de liberdade corporal, mas, mais que isso, significa a abdicação secular da elevação pelo corpo ou o ter como ambição máxima o elevar-se, tornar-se aéreo, desincorporar-se. 
Com Isadora, o corpo iniciava a sua descida à terra, ao humano, inclusivamente ao corpo étnico e sexualizado, como o reforçou, de imediato, Nijinski, coreógrafo e bailarino dos Ballets Russes (...)

Há objetos que, embora funcionando como adereços ou cenários, adquirem, pelo recurso a que são sujeitos, valores de metáfora denotativos deste percurso. É assim que se podem ver as escadas e os elementos descendentes sempre presentes nas obras de Meyerhold e de Martha Graham, embora já consubstanciados esta ideia da descida dos problemas das arte para o reino do humano, e que são posteriormente reforçados com a introdução de um objeto que se torna uma presença permanente e classificadora das Artes do Corpo depois do pós-guerra. Trata-se da cadeira como objeto pertença da dança, do teatro e da performance.

As cadeiras não são todas iguais, não assumirão todas as mesmas funções simbólicas e cênicas, mas constituem uma presença metafórica indicativa da relação das Artes com o seu tempo (...)
No entanto, a cadeira funciona principalmente, na lógica destas artes modernas e contemporâneas, como um 'ready made' que transporta para a cena a nostalgia do tempo da reflexão, do ócio criativo e da família ou dos rituais à volta da mesa, da comunidade, bem como a 'coisificação' da energia (...)
A cadeira toma assim o espaço do ancoradouro para onde converge toda a atividade humana enquanto espera, aguarda, porque uma época - a da Arte Modernista - de atividade se seguiu uma época de estaticismo.

(...) essa é a grande metáfora do uso da cadeira. Existe uma retração da atividade motora as artes do corpo, sinal de uma contenção de energia. Recorre-se à presença da cadeira para descansar, mas este recurso significa porventura a criação de uma 'époché' a figura fenomenológica pela qual o conhecimento é suspenso por um tempo, possibilitando uma ação futura."